O Irmão Burro: o triunfo da graça sobre a incapacidade natural
Desajeitado
nas coisas materiais, mas uma águia na contemplação. Desprezado
inicialmente por seus próprios confrades, depois passou a atrair, por
sua santidade, cardeais, reis, príncipes. Esse foi José de Cupertino, o
Irmão Burro...
Luis Zaghi
Nascido em Cupertino, no reino de Nápoles, em 17 de junho de 1603, José era pouco dotado de qualidades naturais. Por ocasião de seu nascimento, toda a família viu-se despejada da casa, por dívidas de seu pai, perdendo também os poucos móveis que possuía. Assim, nasceu ele num pobre estábulo, à semelhança de um outro menino pobre em Belém...
Incapaz de aprender e... padroeiro dos estudantes!
De saúde muito débil, passou a infância entre a vida e a morte. Aos 17 anos, quis entrar nos Frades Menores conventuais, onde tinha dois tios. Sua aparência era tão pouco favorável que não foi aceito. Apresentou-se então nos Capuchinhos, que o experimentaram em diversos ofícios, mas os seus êxtases contínuos sujeitavam a louça e outros objetos do convento a uma prova não pouco custosa! Dizem que chegaram a colar em seu hábito os cacos da louça que quebrara. Foi preciso mandá-lo embora. Na terrível provação de ter que despir-se do hábito franciscano, comentou que era como se lhe arrancassem a própria pele.
Passado algum tempo, os frades
conventuais concordaram em aceitá-lo para cuidar da mula do convento de
Grottella. Depois, sua piedade, austeridade, obediência e dons
sobrenaturais levaram os frades a admitirem-no no convento.
Desejava ele ser sacerdote, mas nem sequer sabia ler. Esforçava-se para aprender, mas o resultado era desanimador. Quando seu mestre começava a impacientar-se, o nosso santo lhe dizia: "Tenha paciência, assim será mais meritório".
Chegada a hora dos exames, José
recomendou-se à sua Santa Mãe, Nossa Senhora de Grottella. O Bispo de
Nardo interrogou-o antes de admiti-lo no diaconato. Abrindo o livro dos
Evangelhos, mandou José explicar o texto: "Felizes as entranhas que Te
trouxeram". Deus o queria clérigo, pois era este o único trecho do
Evangelho que conhecia. Respondeu admiravelmente bem.
Faltava ainda a última prova oral.
Nesta, certamente não passaria. Compareceu, com os seus confrades,
diante do Bispo de Castro. As admiráveis respostas dos primeiros
examinados satisfizeram tanto o bispo que este decidiu não interrogar os
demais candidatos, entre os quais se encontrava José...Eis assim o
pobre José, sacerdote! Ficou ele sendo o padroeiro dos estudantes,
sobretudo em época de provas.
Dons sobrenaturais extraordinários
Entre milagres e provações, a vida de José de Cupertino foi das mais extraordinárias. Tal era sua fama de santidade que multidões o procuravam.
No convento, ele cuidou de animais e trabalhou quase como um burro de carga. Ele mesmo se intitulava "Irmão Burro".
Comumente via as pessoas em forma de um
animal que representava o estado de sua alma. Se encontrava alguém cuja
alma não estivesse limpa, sentia o mau odor do pecado e advertia: "Estás
cheirando mal, vai te lavar". E, após uma boa confissão, sentia um
aroma agradável de perfume.
Vivia de tal forma em contemplação que,
mesmo durante árduos trabalhos, não conseguia distrair-se dela. Não
poucas vezes, pensando nas realidades eternas, José se elevava do chão.
Realmente, o "Irmão Burro" passou boa parte de sua vida no ar, entre o
céu e a terra...
Devido talvez à sua simplicidade e
inocência, José de Cupertino tinha grande amizade e familiaridade com as
mais simples criaturas de Deus.
Certa vez mandou um passarinho ir
ensinar às freiras de um mosteiro cantar o Ofício. E todos os dias, à
hora das Matinas e da Noa, eis que o pássaro aparecia à janela do coro,
animando o cântico das religiosas.
Em outra ocasião, encontrou duas lebres
junto ao bosque de Grottella e as preveniu: "Não vos afasteis de
Grottella, porque muitos caçadores vos perseguirão". Tendo desobedecido a
essa recomendação, uma delas foi surpreendida e perseguida por cães.
Encontrando aberta a porta da capela, o animalzinho atravessou a nave e
atirou-se nos braços de José. "Eu não tinha te avisado?", disse-lhe o
santo. Em seguida, chegaram os caçadores, reclamando sua presa. "Esta
lebre está sob a proteção de Nossa Senhora, portanto não a tereis",
respondeu ele. E, depois de abençoá-la, a pôs em liberdade.
Apenas ao pronunciar os santíssimos
nomes de Jesus e de Maria, José entrava em levitação. Passeando um dia
com outro frade nos jardins do convento, este lhe disse: "Irmão José,
como criou Deus um tão belo céu!" Ao ouvir estas palavras, José deu um
grito, voou e colocou-se de joelhos sobre uma oliveira. Os galhos
balançavam como se estivessem sob o peso de um pássaro.
O êxtase às vezes o surpreendia durante a Missa. Voltando a si, São José retomava o santo sacrifício no ponto preciso em que o havia deixado, sem se equivocar no cerimonial. Tais eram seus êxtases que certo dia, durante uma levitação, suas mãos ficaram por cima das chamas de dois tocheiros. Atônitos, os espectadores ficaram mudos de temor, mas, passado o êxtase, não havia qualquer sinal de queimadura. Sua Missa durava habitualmente duas horas. Por vezes, Nosso Senhor lhe recomendava que a abreviasse para ir desempenhar seu ofício de esmoler.
A santidade atrai
Sua fama de santidade espalhou-se rapidamente por toda a Itália e mesmo por outros países da Europa. Príncipes, reis, cardeais e até o Papa o procuravam.
Todo este movimento em torno do humilde
religioso e os fenômenos sobrenaturais pouco comuns inquietaram a
Inquisição. Em 1653, por ordem do Santo Ofício, foi transferido de Assis
para o convento capuchinho de Petra Rúbia, e depois, para o isolar
mais, a Fossombrone. Devia ele viver isolado, inclusive, da comunidade.
Os frades conventuais recorreram ao Papa
Alexandre VII. Queriam reconduzir São José a Assis, mas o Papa
respondeu: "Não, basta-lhes um São Francisco em Assis".
Que maior elogio para um franciscano?!
Foi enviado a Ósio, perto de Loreto em
1657. Ao chegar, exclamou: "Este é o lugar de meu descanso". E de fato
foi em Ósio que entregou sua virtuosa alma a Deus, em 17 de setembro de
1663.
Foi canonizado por Clemente XIII em 1767.
(Revista Arautos do Evangelho, Janeiro/2004, n. 25, p. 36-37)
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